Sábado, dia 4 de Fevereiro, foi
dia de percorrer mais um dos belos trilhos da Madeira.
Com um grupo restrito de amigos lá partimos em direcção ao Norte da Ilha.
Desta vez iríamos percorrer parte
da antiga Estrada Real que ligava o Funchal (Igreja do Carmo) a Santana.
O percurso seria então parte da Estrada Real Nº 24, entre a Achada do Cedro Gordo, São Roque do Faial e
Santana.
O propósito seria percorrer o outrora,
muito concorrido e mais rápido caminho entre o Funchal e Santana. Na base da
construção deste caminho estaria, porventura, a importância de Santana como destino
turístico e também porque, por vias de outras calendas, haviam muitas terras no
Faial e Santana que eram propriedade de gentes do Monte e Funchal, logo era
preciso uma forma de lá chegar rapidamente, pensamos nós.
Relativamente ao propósito
turístico, Santana foi mesmo a primeira freguesia rural da Madeira a possuir
hospedarias e pensões. Em 1844/1845, William Reid, instalou uma sucursal do seu
hotel no Funchal no Pico Tanoeiro na antiga e histórica casa do Capitão-Mor
Joaquim Francisco de Oliveira, comandante das milícias daquela freguesia. Este
hotel foi gerido por Domingos Figueira que, anos mais tarde, fundaria o famoso
hotel/pensão Figueira no sitio do Barreiro, hoje Centro/Pousada da Juventude de
Santana. Esta casa senhorial está actualmente em ruínas.
Um percurso para viajar pela
'Madeira profunda' onde subsistem indícios de um passado longínquo, mas que
resiste na memória das gentes.
Depois de algumas considerações
sobre as possíveis razões que estiveram na origem da construção deste caminho e
depois do café tomado, lá nos apresentamos no sítio acima para assim iniciarmos
a nossa caminhada. E foi junto à novel capela de São João Baptista que foi concluída em 1980, que demos início à mesma.
Este sítio é pertença da freguesia de São Roque do Faial, que teve a sua primitiva igreja construída no
sitio dos Terreiros em 1551 por iniciativa de Cristóvão Pires.Esta igreja foi destruída em
1883, como era hábito na altura, pelo caudal das ribeiras em dias de tempestade.
Em sua substituição foi construída no Chão do Cedro Gordo a nova igreja
dedicada a São Roque que foi benzida em 1927.
O dia estava bonito, com uma
temperatura que convidava a caminhar. Partiríamos assim do lugar que ganhou
importância por ter fornecido através de um só cedro, madeira suficiente para a
construção da primitiva igreja do Faial na confluência das ribeiras da Ametade
e Ribeira Seca ou do Faial, no ano de 1519. A tradição diz que Nossa Senhora
teria aparecido no dia 8 de Setembro, dia que foi assim designado como a festa do
orago, Nossa Senhora da Natividade. Foi construída por António Teixeira, mais tarde alcunhado de
'Rei Pequeno'. O Cedro Gordo era assim rico nesta madeira, de tal forma que
teria sido também a partir daqui que saíram os cedros para a construção dos
tectos da Sé Catedral do Funchal.
Partindo assim da Achada do Cedro
Gordo, e logo depois do Bar Zeca, tomamos a entrada à esquerda, começando a descer suavemente para Fajã Grande. Pela frente, e com os
Picos da cordilheira central por detrás em jeito de cenário, tínhamos a Fajã do Cedro Gordo,
brilhantemente alcantilada entre as altas empenas.
À nossa direita, a Cruzinha, com as suas casas próximas, desafiava-nos com o seu sol radiante.
Na Fajã Grande e junto à velha
ponte sobre a Ribeira da Ametade, visitamos o Moinho do Comandante. Este
moinho, construído por volta de 1899 por João Pereira da Silva, ficou
posteriormente na posse da família Mendes, tendo esta família cedido os seus
direitos a Carlos de Melo Vidal, piloto da TAP, que o transformou em alojamento
local de grande qualidade.
Depois de passar pela velha ponte
sobre a Ribeira da Ametade é tempo agora de subir em direcção à Cruzinha. É
imperativo fazer um pequeno desvio para superarmos os 90 metros de desnível que
nos leva ao topo do Pico da Cruz, onde está sediado o Cruzeiro (ou o que resta
dele) construído por João Augusto de Sousa com "com auxílio da Junta Geral da Câmara de Santana
e de várias pessoas".
O local idílico, conserva alguma nobreza. É uma
pena que o Cruzeiro esteja destruído há vários anos e que nenhuma entidade, até
ao momento, tenha resolvido dar-lhe outra dignidade. Dali avistam-se, em dias
bons, como foi o caso, desde os picos da cordilheira central até ao mar.
Depois de apreciar o local, é novamente tempo de voltar ao pequeno e ancestral núcleo de casas da Cruzinha.
Será fácil encontrar o posto de transformação de electricidade, junto ao qual continua o caminho. Não perca a oportunidade de apreciar de perto esta construção dos anos 50/60 do século XX, da autoria do Arquitecto Chorão Ramalho, que deixou várias marcas na arquitectura madeirense, inclusive nestes simples e duradouros Postos de Transformação. Atente-se no aproveitamento do "basalto" tão característico da Madeira.
Descendo agora em direcção ao Limoeiro e à Fajã
da Murta, passamos por pequenos núcleos de casas que pararam no tempo. Talvez
no tempo em que este caminho era a única ligação com Santana e o Funchal. Cada
pormenor é observado com vários
comentários. Uma adega aberta com as suas pipas aninhadas em cima de um
estrado, convida a uma espreitadela no tempo que não passou por ali.
Na Fajã da Murta e sempre dentro do trilho da
Estrada Real Nº 24, visitamos o Museu da Família Teixeira. Este museu de
família é uma homenagem de Anaclet Teixeira de Freitas aos seus pais, Albino e
Conceição, nascidos e criados naquele sítio. É um espaço digno de ser visitado,
apesar das memórias que temos a possibilidade de ver, serem de família.
Porque o caminho está sempre à nossa espera,
continuamos. Agora seria a subir até à Cova da Roda. Primeiro pela Ladeira do
Coxo, depois pelo Lombo do Galego, sempre com paisagens de cortar a respiração
sobre a costa norte da ilha.
Pelo caminho, duas vetustas pontes resistem ao tempo e ao quase total abandono.
O Lombo do Galego ganhou o nome do seu primeiro
sesmeiro, Manuel Vieira (o Galego). Foram os descendentes deste sesmeiro os
responsáveis pela introdução do 'linho galego' na Ilha da Madeira, tão
importante para a economia da Ilha. O caminho correcto é o, hoje denominado, Caminho do Pico do Lombo Galego. Depois de encontrarmos de novo o alcatrão damos de caras com o velho moinho, ou o que resta dele. O velho caminho outrora passava à sua beira. Hoje este troço está interditado e é pelo alcatrão que devemos seguir até à próxima bifurcação. Da memória do moinho apenas a pedra que descansa junto ao mesmo. Depois do Moinho, na bifurcação viramos à esquerda, em direcção à Cova da Roda.
Depois de descansarmos e preenchermos a alma com
a vista soberba que se alcança desde o Miradouro da Cova da Roda, seguimos
caminho, agora em plano. O trilho por "Santana dentro" agora faz-se por um
caminho quase imaculado. Não fossem duas viaturas que estão há mais de um ano
junto a esta via, restando somente as respectivas carcaças para caminheiro ver,
diríamos que o tempo, também, não passou
por ali... Uma pena.
O empedrado tão característico deste caminho
termina antes de atingirmos o Parque Empresarial. As obras para o mesmo e alargamento
da respectiva via colocaram um fim ao tradicional caminho a partir daqui. Há
que seguir pelo alcatrão, contra a nossa vontade. A levada da Silveira ou de
Santana continua ali à nossa esquerda.
Apesar de caminharmos agora pelo sempre desagradável asfalto, o percurso é polvilhado aqui e ali por alguns motivos de interesse paisagísticos que, apesar de tudo, mantêm a sua originalidade.
Apesar de caminharmos agora pelo sempre desagradável asfalto, o percurso é polvilhado aqui e ali por alguns motivos de interesse paisagísticos que, apesar de tudo, mantêm a sua originalidade.
No Ribeiro do Eixo, persistem ainda alguns sinais da
incúria das pessoas que não concluíram ainda que os electrodomésticos no fim da
vida, não 'desaparecem' nas águas calmas do ribeiro. De lamentar, uma vez mais.
Atingindo o Lombo do Curral, é tempo de percorrermos os últimos metros da Estrada Real Nº 24 no seu estado
original, antes desta interligar-se com a Nº 23 na Achada de Simão Alves. Possibilidade
ainda para contemplar uma velha casa típica de Santana com a sua entrada
ladeada de buxo. O famoso buxo que ladeava caminhos e casas de Santana num passado que deixou memórias para sempre registadas em velhas fotografias e pela pena dos escritores que por lá passaram.
O nosso percurso termina na Rua Dr. Albino de
Menezes, junto à escola, precisamente onde esta antiga estrada tinha o seu terminus.
Trata-se de um percurso agradável, que pode ser
feito em qualquer altura do ano. Não apresenta perigos de vertigem sendo apenas de
salientar a necessidade de algum cuidado onde o piso é algo escorregadio dado a humidade sempre característica
das terras a Norte.
Foi um prazer tê-los por companheiros em mais
esta caminhada na Madeira. Uma caminhada diferente. Que procura reviver o
caminho percorrido pelos nossos antepassados entre o Funchal e uma das mais pitorescas terras do Norte da Madeira.
Uma abraço e até à próxima caminhada.
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