quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Santana - Arco S. Jorge - Entroza - Boaventura - Ponta Delgada - 05-09-2009

Sábado, 5 de Setembro de 2009.
No primeiro fim-de-semana de Setembro, ano após ano, os Amigos da Natureza revivem a romaria ao Arraial do Senhor Bom Jesus de Ponta Delgada, de acordo com a tradição de há muitos anos.
A propósito, fala-se mesmo que esta arraial realiza-se em Ponta Delgada, pelo menos desde 1577, sendo assim talvez, a mais antiga romaria que se realiza na Madeira. Iríamos assim, para a terra da “Corte do Norte” por ser, em tempos idos, local de descanso dos nobres da cidade nas grandes casas senhoriais.
Manuel Afonso de Sanha, natural da cidade de Braga, falecido em 1507, foi o fundador e povoador da freguesia de Ponta Delgada, trazendo assim da sua terra a tradição da devoção ao Senhor Bom Jesus. Estas mesmas terras foram-lhe concedidas em regime de sesmaria em 1469 e iam desde Ponta Delgada até á Ribeira das Vacas, na freguesia de Ponta do Pargo.
Varias são as conjecturas sobra a origem do nome Ponta Delgada. Segundo Gaspar Frutuoso “assim chamada por ser ali um passo muito perigoso, que se passa por riba de dois paus, que se atravessam de uma rocha a outra, e em tanta altura fica o mar por baixo, que se perde a vista dos olhos, onde está um porto” . Segundo Horácio Bento de Gouveia o nome deve ter origem na própria geografia do local. Uma língua da fajã que se estende “mar adentro”. Outra versão referida no “Elucidário Madeirense” diz-nos que o nome se deve a Antónia Delgado, esposa de um militar chamado António Gonçalves de Castro falecida em 1606. Simpatizo melhor com a primeira hipótese.
Seria esta freguesia importante, o nosso objectivo da nossa caminhada. Caminharíamos assim sempre com o mar á nossa beira.
Vários caminheiros falavam duma caminhada diferente, pelo convívio, pela envolvência que a mesma proporcionava. Teria agora a oportunidade de conferir isso mesmo.
Sendo assim meus amigos, apresentei-me como sempre de “armas e bagagens” para a já mítica caminhada – romaria até ao Senhor Bom Jesus.
Ás sete e meia em ponto, já lá estava junto á Avenida do Mar.
Levantei-me cedo. Eram seis horas quando tocou a “alvorada” lá em casa. Havia que descer cedo até ao centro do Funchal porque era Sábado e logo não haveria garantia de estacionamento fácil. Assim esperava, assim aconteceu. O carro ficou longe da partida. Nada que assuste um bom caminheiro que, pelo caminho, só deixa “pegadas”.
Muitos caminheiros já aguardavam alegremente a chegada do autocarro. Sentia-se uma atmosfera diferente no ar. Sentia-se alegria. Não sabia o que me esperava, mas era obvio que partíamos para um passeio diferente.
Às sete e quarenta e cinco lá partiu o autocarro. Rumo á Santana. Paramos então aqui junto a esta pitoresca terra para o café convívio matinal.
Depois, foi seguir até a Achada do Gramacho.



Começaríamos a descer então a íngreme vereda que liga esta Achada até ao Calhau da Ribeira de S. Jorge mesmo logo a seguir ao Hotel/Estalagem Quinta do Furão.
Escusado será dizer que logo á saída do autocarro houve quem fosse á “garrafa de emergência” para “ajudar” no “penoso” caminho! Bem, meus amigos, isto prometia! E estávamos apenas no começo! Não haviam dúvidas que esta seria uma caminhada atípica!
A descida pela Vereda do Calhau fez-se de forma lenta. Deixamos assim seguir o “grosso da coluna” que tinha pressa em chegar cedo ao Arraial de Ponta Delgada. Nós, um grupo de cerca de doze, faríamos a caminhada ao nosso ritmo. Ou seja “muito lento”! Teríamos tempo para tudo! Não haveriam pressas. Essas, eram as nossas únicas certezas!
Pela descida houve tempo para saborear as amoras silvestres que por esta altura estão com uma cor de fazer inveja a qualquer um. Era ver toda a gente virada para os silvados, para colher muito cuidadosamente os deliciosos frutos. Colher e saborear de seguida, diga-se de passagem!
E não faltam curvas e contra-curvas nesta descida de modo a camuflar os desejos dos caminheiros! São cerca de trinta minutos de descida do mais puro deleite. Pelas paisagens magníficas, pelas amoras silvestres e pela boa disposição reinante!










Terminada a descida damos de "caras" com a velha ponte sobre a Ribeira de São Jorge. Uma ponte que data do século dezasseis. Um breve olhar nostálgico sobre a íngreme vereda que acabamos de descer quando alguém nos lembra que as gentes de Santana tinham de subir por ali com as mercadorias descarregadas no Velho cais de São Jorge. Junto ao Calhau existiu a primeira Igreja Paroquial e uma pequena capela em honra de S. Sebastião. Este sítio, foi assim o mais importante pólo comercial do Norte da Ilha da Madeira. Atravessar este pequeno pólo, hoje quase fantasma, transporta-nos a um tempo longínquo da nossa historia que apesar de tudo deixou marcas na nossa forma de ser e estar. Quem é madeirense ou ilhéu entenderá certamente o que digo com mais intensidade.
Fomos assim em frente, subindo pela Vereda que sobe logo por detrás do velho cais. Alguém ainda falou em percorre-lo até á sua ponta. Fomos no entanto desencorajados por um dos caminheiros mais velhos que ainda nos acompanhava. Logo no inicio o acesso estava algo debilitado com umas traves de madeira a substituir o que outrora foi um acesso em betão sobre a enseada.
A subida fez-se muito lentamente. Com muita conversa á mistura. Muita gargalhada. Poses para os diversos clics das máquinas fotográficas.



Ao chegarmos ao sítio do Farrobo, somos presenteados com as videiras carregadas de uvas amadurecidas. Escusado será dizer que a partir deste momento foi um “vê se te avias” junto ás latadas! Os cachos de “americano” estavam mais lindos que nunca. O jacquez não lhe ficava atrás em algumas latadas. Era vê-los pendurados pelas estacas a tentar agarrar o melhor cacho! Juro que eu não toquei em nenhumas! Bem, talvez só em algumas! Pronto…em muitas.
Bem, foi tempo de virarmos para o lado do Farol. Foi aí, junto do farol que comemos e refrescamo-nos pela primeira vez. Não sem antes sermos tentados novamente pelas latadas carregadas de uvas maduras. O cheiro meus amigos, era de bradar ao céus! Completamente irresistível!
Junto ao Farol encontramo-nos com mais alguns dos caminheiros que tinham seguido na frente. Nós ficamo-nos por aí durante mais algum tempo. O Grupo voltou assim a ficar reduzido a cerca de doze elementos. Seria assim o nosso grupo até ao fim desta excelente caminhada - romaria.
Logo depois do descanso junto ao farol de S. Jorge, flectimos para a direita ao encontro da Vereda da Vigia. Por aí descemos lentamente, sempre muito lentamente, até á Rocha de Baixo. Pelo caminho, como se não bastassem as uvas, agora eram os figos, brancos e pretos a toldar-nos os nossos pensamentos. Assim, não há quem resista!



Por esta altura é normal encontrar todas as gentes concentradas nas vindimas. Junto aos velhos lagares, disseminados por entre os poios de vinha, encontramos famílias inteiras cuidando da sua vindima! Cuidando da sua vindima e de quem passa! Em todos eles o sistemático convite. Tínhamos de provar os petiscos, o mosto ou para quem preferisse , o vinho guardado ou na pipa ou no garrafão. Perdi assim a conta no numero de adegas, lagares e afins pelos quais fomos parando. Cabrito assado, pepinos da região com sal, figos na figueira e no prato foram alguns dos manjares que nos foram oferecendo para “dentinho”! Bem, o melhor é de facto ficar por aqui. Houve deles que, para muita surpresa minha, já nos esperavam e estranhavam o nosso atraso. Afinal parece que este grupo é mesmo fiel a esta romaria, tal é a rede de “conhecimentos” solidificada ao longo dos anos junto destas gentes.
Seguimos caminho alegremente. Pela boa disposição e certamente por “outras”razões!



Atingimos assim o Arco de São Jorge. Fomos até ao miradouro. Houve quem quisesse “inventar” caminho e meter-se por caminhos que desembocavam em quintais privados. Bem, vá lá que os donos não estavam para se chatear. Resolvemos assim abortar a nossa aventura e reencontrar o resto do pelotão junto á Igreja do Arco de São Jorge. Uma Igreja do século dezoito. Bem, mais propriamente junto ao bar junto á igreja. Havia a desculpa que esta mesma igreja estava fechada. Pois claro está. Do bar saltamos para um pub , que só abre em ocasiões muito especiais. Engraçado foi ver que neste pub alguém descobriu a sua foto (15 anos antes) colada a uma das paredes. Um momento nostálgico para um dos nossos companheiros que não fazia a mínima ideia que aquela foto lá estava.
Depois de mais um pequeno intervalo para um saboroso café, seguimos caminho de encontro á entrada para a Vereda da Entrosa. São dois quilómetros que nos esperavam até á Ribeira do Porco. Dois quilómetros do mais bonito que pode haver.
Um caminho bonito de percorrer que esteve interdito até há cerca de três meses devido a uma derrocada que bloqueou parte do seu caminho. Tivemos assim oportunidade de verificar os vestígios de tal derrocada.
As vistas sobre Ponta Delgada, sobre o Porto Moniz, lá ao fundo completam um quadro digno de se ver e adorar. Imaginamos pelo caminho a dificuldade dos nossos antepassados a construir e percorrer tal percurso. Simplesmente fenomenal. Para os interessados em botanica, digo-vos que esta vereda é um manancial de pequenas plantas endémicas da Madeira.



Chegados a velha Ponte sobre a Ribeira do Porco, construída toda em pedra, para ligação das duas margens, impôs-se um olhar sobre o velho aglomerado de casas em ruinas. Resquícios de outros tempos em que aquela Foz foi um importante centro de embarque e desembarque de mercadorias, tendo existindo mesmo um Engenho de Açúcar.
Continuamos caminho agora só na companhia de um amigo que, tal como eu, íamos nos perdendo com a máquina fotográfica. Motivos não faltavam.
Seguimos até São Cristovão. Depois pelo caminho municipal até Ponta Delgada. Ainda falamos em descer pelo Caminho da Escaleira que é nada mais menos que parte do Caminho Real que liga a estrada Regional 101 até ao sítio da Vigia em Ponta Delgada. Desistimos porque alguém nos disse que não estava muito acessível devido a derrocadas recentes.
Estávamos assim em Ponta Delgada finalmente! O trabalho agora era descobrir onde estava o autocarro para a troca de roupa. O tempo convidava, a piscina também, a um mergulho nestas límpidas águas. Foi o que fizeram antes de nós, os caminheiros precedentes. Foi o que fizemos eu e o meu amigo depois de “equipados para tal” . Ainda nos sujeitamos a algumas “bocas” pela indumentária em dia de véspera de arraial, mas o cansaço e a tradição assim o impunham.



Depois do mergulho e de um café retemperador, foi chegada a hora de colocarmos a indumentária de “arraial” e juntarmo-nos á festa propriamente dita.
Foi fácil reagrupar os elementos da “comitiva”. Os fogareiros para as espetadas estavam todos já a fumegar. A fome, essa já dava alguns sinais de impaciência.
Juntamo-nos assim junto a um barracão para a tradicional negociação da carne de vaca para a tradicional espetada. Não foi difícil. O Manel lá estava lá e isso seria sinónimo de não seriamos enganados com a qualidade da mesma. Carne no “espeto de louro” , vinho da região, cerveja com laranjada, vinho com laranjada, bolo do caco com manteiga e sem manteiga, pão tradicional foram os ingredientes para um petisco que tanto diz a um madeirense!
Uma romaria que não dispensou ainda uma volta pelo arraial, uma ida a Igreja para o “beija pés” ao Senhor Bom Jesus, umas quantas paragens pelo caminho do arraial para ouvir os tradicionais despiques. Gentes de todas as idades a confraternizar na mais pura alegria. O religioso e o profano numa simbiose diria quase “perfeita”.



Escusado será dizer que até ao fim do arraial, houve que suportasse melhor ou pior os efeitos do “néctar de Baco”, mas sempre com boa disposição. Diversão e boa disposição foram assim uma constante ao longo de toda a nossa estadia no arraial.
Perto da meia-noite, era hora de assistir ao fogo-de-artifício. A partir daí, sabíamos que o arraial estava no fim.
Era tempo de recolhermos ao autocarro que nos esperava, junto com a simpatia do Jorge, nosso condutor habitual.


Escusado será dizer que foi impossível dormir no caminho de regresso ao Funchal. Toda a “malta” quis reviver a tradição das velhas “excursões” de autocarro na Madeira e foi vê-los a cantar, ao despique, e a bailar no caminho de volta ao Funchal. Foi mais um momento para a história destes passeios em conjunto.
Chegados ao Funchal, sempre com boa disposição ainda houve quem me oferecesse boleia. Pena foi que o carro estava muito bem guardado dentro de um parque público no centro da cidade que encerra as suas portas á meia-noite! Bem fiz eu em deixa-lo bem longe! Valeu-nos assim um resto de noite passado na Avenida do Mar ao sabor da noite que se mantinha com um estrelado especial numa noite límpida e com temperatura maravilhosa, ainda de Verão!
Foi um resto de noite diferente! Especial! Para recordar mais tarde. Como esta caminhada-romaria.
Meus amigos, depois de relatar-vos esta caminhada diferente, por caminhos por mim desconhecidos, despeço-me até uma próxima caminhada. Certamente de volta às minhas veredas e caminhos solitários.
Abraço! Já sabem, continuaremos por aí! Numa qualquer vereda ou caminho desta alegre terra que é a Madeira!

3 comentários:

  1. Olá meu querido!
    Toda vez que descreve algum lugar tenho vontade de estrar por aí e ver estas maravilhas da natureza de perto, bem perto...
    Quanta riqueza a fazer bem aos nossos olhos e a nossa alma.
    Tudo isto é uma prova absoluta de que DEUS existe dentro e fora de nós a todo instante.
    Beijinhos para si

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  2. Oi Ilídio.
    desculpe a demora, com problemas de tenpo e de net, penso que teria chegado mais cedo aqui se tivesse atravessado o oceano de barco a remo...
    estes lugares que descreve sempre me emocionam, me sinto acompanhar-te nas trilhas, nas veredas, no sobe e dece dos morros, nas lindas prais...
    me deu vontade de comer aquele churrasco, (é assim que chamamos por aqui a carne no espeto e brasa).
    as tradições sempre tão respeitadas e lembradas...
    e mais uma vez as lindas fotos, as quais me perco por momentos na paisagem.
    foi um grande prazer andar contigo por esta linda ilha chamada Madeira.
    um beijo e abraço do tamanho da beleza daí.
    Rosan
    .

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  3. Ola! Também tenho um blog qdo e c der faz uma visitinha. O endereço é www.ecosdotelecoteco.blogspot.com Um grande abraço e sucesso na proposta aí..

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